Paciência

Os ícones de Bose Vulto de Cristo em estilo itálico - têmpera de ovo sobre tábua
...a paciência, como virtude cristã, é um dom do Espírito Santo (Gálatas 5,22) outorgado pelo Crucifixo - ressuscitado, e configura-se como participação das forças que provêm do evento pascal

Le parole della spiritualità
de ENZO BIANCHI
A paciência é atenção ao tempo do outro com a consciência plena de que o tempo se vive no plural, com os outros, constituindo um evento de relação, de encontro, de amor.

A escritura confirma que a "Paciência" é antes de mais uma prerrogativa divina: segundo Ex 34,6 Deus é makróthymos, «sofredor», «magnânimo», «paciente» (em hebraico a expressão equivalente diz literalmente: «lento à ira»). O Deus ligado em Aliança ao povo "teimoso" não pode ser senão contitutivamente paciente. Esta paciência manifestou-se plenamente com o envio do filho Jesús Cristo e na sua morte pelos pecadores e é ainda este facto que rege o tempo presente: «Não é que o Senhor tarde em cumprir a sua promessa, como alguns pensam, mas simplesmente usa de paciência para convosco, pois não quer que ninguém pereça, mas que todos se convertam." (2 Pe 3,9). A paciência do Deus Bíblico exprime-se no facto de que Ele é o Deus que fala: falando, dá tempo ao homem para uma resposta e assim, espera que estes se convertam. A paciência de Deus não deve ser confundida com impassividade, pelo contrário, ela é «o longo respirar da sua paixão» (E. Jüngel), é a previdência do seu amor, um amor que «não quer a morte do pecador, mas que este se converta e que viva» (Ez 33,11), e é uma força operante mesmo quando o movimento de conversão não está ainda concluído.

A paciência de Deus encontra a sua expressão máxima na paixão e na cruz de Cristo: ali a assimetria entre o Deus paciente e a Humanidade pecadora amplia-se desmesuradamente na paixão de amor e de sofrimento de Deus no filho Jesús Cristo crucifixo. Desde então a paciência como virtude cristã é um dom do Espírito (Gal 5,22) outorgado pelo crucifixo-ressuscitado e configura-se como participação da força que provém do evento Pascal. Para o cristão a paciência estende-se à fé e é preserverante - fé que dura no tempo, que é makrothymía, «capacidade de olhar e sentir em grande», isto é, arte de acolher e viver a incompletude. Este segundo aspecto diz como a paciência deve ser necessariamente humilde: deve levar o Homem a reconhecer a sua incompletude pessoal e a tornar-se paciente para consigo próprio; ela reconhece a incompletude e a fragilidade das relações com os outros, estruturando-se como paciência no confronto com os outros; confessa a incompletude do desenho divino de salvação, configurando-se como esperança, invocação e esperança de salvação. A paciência é a virtude de uma Igreja que espera o Senhor, que vive responsavelmente o ainda-não sem antecipar o fim e sem se elevar a si própria perante o desígnio de Deus.  

Ela rejeita a impaciência da mística como ideologia e percorre a via exigente da escuta, da obediência e da espera no encontro com os outros e com Deus para construir a comunhão possível, histórica e limitada, com os outros e com Deus. A paciência é atenção ao tempo do outro com a consciência plena de que o tempo se vive no plural, com os outros, constituindo um evento de relação, de encontro, de amor. Por isso, talvez, hoje, numa época assombrada pelo fascínio do tempo sem restrições - em que a liberdade é pensada como a ausência de relações, de restrições, como possibilidade de recomeçar tudo de novo, de um momento para o outro, apagando tudo o que estava para trás, incluindo relações e compromissos - pode parecer extemporâneo mas ao mesmo tempo urgente e necessário, falar sobre a paciência. Para o cristão ela é central tanto quanto o agapê, tanto quanto o próprio Cristo. Ter paciência, assumir como determinante da própria existência o tempo do outro (de Deus e do outro homem), é obra de amor. "O amor é paciente" (makrothymeí), diz Paulo (1 Cor 13,4). E a medida e o critério da paciência do crente não podem ser senão os da "paciência de Cristo" (2 Tes 3,5: hypomonè toû Christoû). Eis porque, muitas vezes, a paciência foi defenida pelos Padres (da Igreja) como a summa virtus (cf. Tertulliano, De patientia I,7): ela é essencial à fé, à esperança e à caridade.

Cipriano de Cartágo escreveu: «o facto de ser cristão é obra da fé e da esperança, mas para que a fé e a esperança possam produzir frutos, é preciso paciência» (Cipriano, De bono patientiae 13). Implicada na fé em Cristo, a paciência torna-se «força nos confrontos consigo mesmo» (Tomás d’Aquino), capacidade para não desesperar, para não se deixar abater nas tribulações e nas dificuldades; torna-se preserverança, capacidade de permanecer, durar no tempo sem se desvirtuar; a verdade torna-se também capacidade de (su)portar os outros bem como as suas histórias pessoais. Nada de heróico nesta operação espiritual, mas apenas a fé de ser sustido pelos braços de Cristo, estendidos na cruz. Nesta difícil tarefa, o crente é consolado por uma promessa: "Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo" (Mateus 10,22; 24,13). Promessa que não deve ser entendida apenas como confirmação de uma profissão de fé, mas como prática da paciência a difundir nas relações intra-eclesiais, intra-comunitárias («suportando-vos»: Col 3,13), como nas relações da comunidade cristã ad extra, com todos os outros homens («sede pacientes com todos»: 1 Tes 5,14). A paciência torna-se, assim, uma categoria que interpela a estrutura interna da comunidade cristã e a sua organização no mundo, no meio dos outros Homens, dos não-crentes. E enquanto interpela, inquieta!


ENZO BIANCHI
Le parole della spiritualità
Rizzoli, 1999 pp. 57-60